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quarta-feira, outubro 18

:: Tragicomédia

Acordou nervosa com o que ia precisar fazer! Sabia que milhares de pessoas estariam observando seu desempenho no palco. E aquela espinha gigante apareceu no rosto justo na semana em que tinha que estrear a peça. Fatalidade das mais cruéis com aquela jovem que já estava desesperada o suficiente. Durante semanas decorou as enormes e difíceis falas da cena do balcão de Romeu e Julieta. Ia dar branco, pensava. Sonhava com as falas. Não ia dar conta, pensava de novo. Desespero e aflição. E as coisas ainda nem tinham começado a piorar de verdade.

Chegou ao colégio com o frio típico na barriga. Foi ver como andavam os preparativos do cenário. Teria visto os preparativos caso o cenário existisse. A peça ia começar em poucas horas e o que se tinha era um enorme pedaço de papel pardo, algumas canetinhas pretas e muita gente tentando fazer aquilo parecer um balcão, com a famosa sacada e o que mais a arquitetura dos primeiros anos do século XIV exigia. Neste momento fica óbvio imaginar que esse cenário não ia dar certo.

Tentando fazer do papel pardo balcão, a equipe saiu correndo colégio afora para dar tempo de montar o palco. Além do balcão seriam necessários, teoricamente, uma lua e alguns arbustos. Isso era o mínimo, uma vez que Romeu e Julieta citam essas duas coisas em diversas ocasiões da bendita cena. Portanto, é hora de imaginar a situação. Julieta fala: Ah, não jures pela lua, essa lua inconstante que altera todos os meses seu contorno, para que teu amor não pareça também mudado. O fato é que a lua não estava lá. Achava que era mesmo melhor não jurar por alguma coisa que nem estava ali.

Os problemas teriam sido menores se Romeu, que precisava estar escondido atrás de um arbusto durante toda a peça, não estivesse completamente exposto (não pela roupa que ele teria que usar em pleno século XX, mas porque pôde contar apenas com um tímido e fino galho seco). Aqui a cena dramática já tinha ganhado contornos perigosamente cômicos.

Mas o cenário. Ah, o cenário! Como fazer do papel pardo (agora mais parecido com uma figura pós-moderna de tijolos bordados por cerca de 700 mãos diferentes) um balcão digno de Julieta? Dois integrantes da equipe foram forçados a ficar os cerca de 40 minutos que duravam a peça segurando o papel. Teria dado certo se um "voluntário" não fosse pelo menos 1 metro maior do que o outro. Portanto, com um gigante de um lado e um anão de outro, não dava para Julieta se encaixar na janela (sim, existia uma janela) que era um buraco cortado no meio do papel pardo. E ainda tentaram equilibrá-la em cima de várias mesas e cadeiras empilhadas. Tudo para dar o efeito teatral necessário, Romeu embaixo ajoelhado aos pés de uma Julieta inatingível em cima do balcão.

É claro que isso também não deu certo. Portanto, enquanto o professor anunciava a atração, os integrantes da equipe empurravam Julieta para o chão do palco. Teria dado certo se Julieta, impulsionada pelo empurrão, não tivesse carregado consigo um pedaço do frágil muro de papel pardo. Com o cenário agora rasgado, Julieta no chão e Romeu escondido atrás de um galho seco, os coitados deram início às dificílimas falas que a ocasião exigia.

Sem erros nessa etapa, sem brancos, porque aí seria tragédia demais, teria tudo terminado bem se na penúltima fala, em que a ama chama Julieta de volta a seus aposentados, ela simplesmente tivesse esquecido de sua função. Resultado, depois de um minuto de constrangedor silêncio, o próprio Romeu resolveu fazer as vezes de ama e gritou tentando disfarçar a voz: Julieta, Julieta. E ela, fingindo normalidade, vira o rosto e diz, tentando esconder a decepção de mais um equívoco técnico grave: Estou indo, ama!

E foi, para nunca mais voltar! Desde então, tragicomédia maior o teatro não viu!

2 Comments:

At 7:15 PM, Blogger Fred Neumann said...

Que bagunça, hahaha!
Julieta ama a ama, hahaha!
Gaston é o nome do cartunista?

Shakespearecomentando,

Fred

 
At 2:06 AM, Blogger graziipa said...

Oi, Fred! Na verdade Gaston é um personagem criado pelo cartunista André Franquin. Franquin é belga e morreu já. Pena. Mas deixou umas coisas super bacanas. Existe até um site do personagem (http://www.gastonlagaffe.com/). E não resisti. Esse cartoon tem tudo a ver com essa saga shakesperiana protagonizada por minha pobre e sofrida pessoa (rs). Me identifiquei demais com essa Julieta despencando do balcão porque foi praticamente isso o que aconteceu no episódio relatado no post. Tento provar que as coisas não são tão ruins quanto a gente pensa. Poderia ser pior se fosse você, fala a verdade? kkkkkkkkk

 

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